Padre João Medeiros Filho
Segundo a Bíblia, a humildade é “caminho para a verdadeira grandeza” (Pr
22, 4). Atualmente, ela é pouco
vivenciada. Cristo proclamou no Evangelho de Mateus: “Aprendei de mim que sou
manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).
E ensinou que a observância dessa virtude é importante para segui-Lo. Sem
dúvida, para vislumbrar a onipotência divina e a condição humana de criatura
limitada, é preciso conhecer a própria natureza. O étimo humildade deriva do
latim “humus” (terra), significando ter os pés no chão. De acordo com etimólogos, possui a mesma raiz de “homo” (ser humano).
Humanidade e humildade são palavras irmãs. O poeta latino Horácio escreveu que “o
homem é um ser com os pés na terra, mas os olhos voltados para o infinito.” Ele
não deve perder de vista as suas origens: argila plasmada em vida
racional pelo sopro divino, pleno de amor.
Ao
longo dos séculos, a Igreja nem sempre se mostrou humilde. Não raro, aparece
historicamente associada ao triunfalismo. Em determinadas épocas, manifestou-se
superior, impondo dogmas e verdades, ritos e tradições. Cristo veio propor, e não
impor. “Se queres ser perfeito...” (Mt 19, 21), dissera Cristo a um jovem,
mostrando que o cristianismo é uma opção de vida. Entretanto, a humildade
desempenhou sempre um papel relevante na tradição cristã, desde suas origens.
Os santos revelam sinais evidentes de humildade. O monge Antão refere-se a ela
como “a primeira de todas as virtudes.” Para Santo Agostinho consiste no “verdadeiro
remédio que nos cura”. É
considerada pela tradicional Regra de São Bento o caminho de subida para Deus, constando de doze degraus, sendo ela
o primeiro deles.
Ela
tornou-se tema marcante do pensamento cristão. Consta da maioria dos escritos de
pensadores católicos, dentre eles, São Gregório Magno e o autor inglês (anônimo)
de “A nuvem do não saber.” Os místicos Santa Teresa d´Ávila e São João da Cruz
afirmam que a humildade é imprescindível para a gratidão e perfeição
espiritual. Mesmo em momentos que possa ter parecido eclipsada pelo poder
político-clerical da Igreja, ela continuou a encontrar um lugar de destaque na
obra de grandes teólogos e santos, a exemplo de Tomás de Aquino, Boaventura,
Francisco de Assis e Inácio de Loyola. Este pretendia, com Os Exercícios
Espirituais, levar os
fiéis ao grau de santidade, que implica num despojamento interior, no amor a
Cristo, na vivência do Evangelho e jamais no pseudo prestígio ilusório que o mundo
oferece.
A humildade opõe-se ao
brilho ilusório da fama e autossuficiência humana. É tema recorrente também na
obra de vários autores contemporâneos, como Simone Weil, Emmanuel Mounier e
Jean-Louis Chrétien. Tal virtude abrange realismo, verdade, modéstia e simplicidade,
destoando de um mundo em que se exalta o poder. Anda na contramão de uma civilização
que supervaloriza o ter em detrimento do ser. Distancia-se de uma sociedade que
cria ídolos e ludibria indivíduos, pressionando-os
a subir sempre mais na escala social para conseguir seus objetivos, mesmo em detrimento
de muitos.
Uma
pessoa simples, mansa e humilde é motivo de discriminação e desdém no mundo de
hoje. É considerada sem valor, tola e despersonalizada. Aos olhos de muitos não
sabe aproveitar as oportunidades que a vida lhe oferece e se deixa manipular
pelos outros. No entanto, é especial para Cristo, que desceu das alturas
infinitas para habitar a terra dos homens, deixando a glória celeste para viver
a pequenez das criaturas. O orgulhoso afasta-se de suas raízes e perde-se nas
estradas da ilusão. O presunçoso repele, enquanto o humilde aproxima. Cabe
lembrar Charles Chaplin: “Necessita-se mais de humildade do que de máquinas;
mais de bondade e ternura do que de inteligência. Sem isso, a vida se tornará
violenta e tudo se perderá.” Os
humildes são discretos e mais próximos do caminho da verdade, sabedoria e
gratidão. Já dizia Cora Coralina: “O saber a gente aprende com os mestres e
livros. A sabedoria se adquire com a vida e os humildes.” É bom lembrar-se
sempre do ensinamento transmitido pelo apóstolo Tiago: “Deus rejeita os
soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4,6).
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