terça-feira, 1 de julho de 2025

Laivos de dicotomia, hipocrisia e farisaísmo



Padre João Medeiros Filho

Há pessoas eruditas, portadoras de títulos acadêmicos, bem-sucedidas social, intelectual e economicamente. Entretanto, na convivência cotidiana são irritadiças, agressivas, contraditórias, inconsequentes e imaturas emocionalmente. Não toleram críticas e são sequiosos de elogios e bajulação. Nelas, observa-se um conflito entre o racional e o emocional. Tais indivíduos beiram à bipolaridade e não se apercebem disso. Quando discursam, são eloquentes e precisos. Expressam-se com lógica. Arrancam da memória argumentos consistentes e citações apropriadas. Mas, no convívio diário se contradizem em sua postura social. Chegam a tratar os subalternos com indiferença, desprezo ou arrogância. Ignoram os nomes dos serviçais, tampouco dão a todos a mesma atenção. Segundo o apóstolo Tiago, “fazem acepção de pessoas” (Tg 2,19). E, o pior, declaram ser cristãos. Costumam mostrar-se alheios ou insensíveis diante de alguém em situação angustiante de saúde, em dificuldade financeira, afetiva ou psicológica. Afirma o apóstolo João: “Quem não ama o seu irmão a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê” (1Jo 4,20).

Certa vez, presenciei uma situação constrangedora na postura de uma senhora culta e admirada na sociedade. Quando se preparava para ir a um evento, não encontrou uma de suas joias favoritas (uma corrente de ouro com um pingente de esmeralda). Após intensa procura pela casa, desconfiou de uma funcionária – há quinze anos trabalhando ali – pressionando-a a devolver-lhe aquela preciosidade. A colaboradora negou com veemência o “furto”. Mas, todas as suas palavras e lágrimas foram inúteis. Nada foi suficiente para convencer a patroa de sua inocência. Com ofensas, gritos histéricos e xingamentos, ela foi demitida sob a ameaça de comunicação da ocorrência à polícia. Tal fato é recorrente em vários lugares. Muitos desconhecem a recomendação bíblica do hagiógrafo no Livro dos Provérbios: “Quão melhor é possuir a sabedoria do que o ouro, e adquirir a prudência, mais preciosa do que a prata” (Pr 16, 16). Vale lembrar ainda as palavras do Mestre da Galileia: “Não julgueis pela aparência. Julgai de acordo com a justiça” (Jo 7, 24).

No dia seguinte, a aludida senhora contou o episódio à filha, que acabara de retornar de uma recente viagem à Argentina. Perplexa, a moça reagiu: “Mamãe, o seu colar está comigo. A senhora não se recorda de que me emprestou para eu ir ao casamento de uma amiga?” Isto faz lembrar a admoestação do apóstolo Paulo: “Portanto, não julguemos mais uns aos outros. Em vez disso, tomai a decisão de não pôr no caminho do irmão qualquer obstáculo ou pedra de tropeço” (Rm 14,13).

Freud dizia que “não somos senhores em nossa própria casa.” Referia-se à eventual impotência do eu, em relação aos instintos e impulsos. Se o consciente é racional, o inconsciente é passional. Não é fácil manter o equilíbrio entre razão e emoção. A primeira habita o terreno do intelecto; a segunda, o do afeto. O desafio é evitar que a razão leve a decisões precipitadas e a emoção provoque atos com consequências nefastas. O ideal é não ser movido apenas por tais sentimentos. De acordo com a mitologia grega, todos têm um lado apolíneo e outro, dionisíaco. Apolo e Dionísio eram filhos de Zeus. O primeiro era o deus do bom senso, do equilíbrio e da razão; o segundo, a divindade do desvario, da bebida, das festas e farras. Contudo, nem sempre é fácil dosar exatamente sonho e realidade, delírio e sabedoria. Manter o equilíbrio é sinal de maturidade.

Às pessoas excessivamente emotivas recomenda-se sempre parar e refletir, conter a imaginação, segurar os arroubos, tentar ver a situação pela ótica do outro. Isso ajuda muito a não perder a serenidade e a constância. Já aos excessivamente racionalistas sugere-se visitar orfanatos, asilos e hospitais. Ali, poderão se deparar com situações passíveis de despertar compaixão e sensibilidade. Deus deseja de seus filhos sabedoria e bom senso. É clássico o pedido de Salomão a Deus, contido no Primeiro Livro dos Reis: “Dá, pois, a teu servo um coração que possa escutar..., capaz de discernir entre o Bem e o Mal” (1Rs 3,9).


Nenhum comentário:

Postar um comentário