Padre
João Medeiros Filho
Segundo
vaticanólogos, Jorge Mario Bergoglio foi eleito papa contrariando previsões de
dignitários eclesiásticos. Isso mostra, apesar das fragilidades humanas, o
sopro divino dentro da Igreja Católica. Francisco era uma figura carismática,
cuja missão consistia em reconquistar a credibilidade eclesial junto à
sociedade hodierna, em parte materializada e alheia ao Evangelho. Não há
dúvidas de que seus gestos e palavras contribuíram para tanto. Pastor
misericordioso, despojado, voltado para os problemas e causas importantes,
urgentes e justas. Usava paramentos, relógio e sapatos simples, sem a marca de
notáveis fabricantes, tendo apenas aquela do seu despojamento. Sofreu inúmeros
ataques por parte de seus
opositores, inclusive autoridades do clero. A falta de escrúpulo e o desespero
de alguns manifestavam-se acintosamente. Uma corrente insistia em denegri-lo e
desestabilizá-lo.
A eleição de
Francisco tornou a Igreja mais exposta, como entidade milenar, enclausurada em
suas estruturas e tradições. Reiterou a importância de uma Igreja livre e ágil
para cumprir sua missão. Isto incomoda, pois tal liberdade pressupõe riscos no
caminho que leva aos sofridos. O Abbé Pierre, apóstolo dos excluídos franceses,
referindo-se aos a seus oponentes, dizia: “Eles
têm as mãos limpas, pois não costumam tirá-las das luvas ou dos bolsos.”
Para quem se apega à segurança institucional, uma Igreja mais despojada é uma
proposta arriscada, sobretudo no mundo de hoje, fluido e fragmentado. As
reações contrárias a Francisco revelaram o medo de que a instituição se perca.
A oposição ao papa argentino tecia críticas a uma concepção de Igreja que
assusta, pois relativiza o poder. Dir-se-ia, mais exatamente, a ilusão do
poder, posto que se presencia o desempoderamento clerical. Este não ocupará
mais no mundo secularizado o mesmo espaço de outrora.
Os adversários de Francisco não queriam discutir
ideias teológicas sobre aquilo que a Igreja poderia ser ou não. Demonstravam
abertamente sua rejeição à mudança estrutural externa pela qual ela
eventualmente poderia passar. Temiam pelo desaparecimento de seus
privilégios, pelo fim de seu prestígio e que sua riqueza fosse somente o amor
ao próximo (desmistificando a pompa, “a pastoral do pano”, a ostentação e a
glória) e suas mordomias se transformassem em pão na mesa dos famintos.
Mostravam um receio de que a Igreja olhasse para todos de igual forma,
enchendo-se de pecadores, pois não estavam preparados para isso. “Ide, pois, aprender o que significa:
misericórdia eu quero, e não sacrifícios”, afirmava Jesus (Mt 9, 13). O
Papa Francisco manifestou-se líder inaudito e insólito. Este
surpreendia, ao buscar a transformação das estruturas eclesiásticas e do mundo.
Muito se escreveu a respeito de suas atitudes. São icônicas, despertando para
uma Igreja em transformação, apesar de lenta. Por isso, o papa latino-americano
foi amiúde vítima de invectivas implacáveis, desrespeitosas e injustas,
advindas, mormente, dos irmãos eclesiásticos.
Os opositores
de Bergoglio não se quedavam tranquilos. É compreensível, ainda que
inaceitável. Os paladinos do “status quo” defendem a
“segurança” e, nesse sentido, toda perspectiva de mudança soa como ameaça. Foi
também assim com Jesus. A nova proposta da
imagem de Deus trazida pelo Mestre punha em questão elementos da religião de
seu povo. Nesse sentido, explicam-se as palavras de Caifás: “É melhor um só
morrer do que perecer todo o povo” (Jo 11, 50). A morte de
Cristo significou para as autoridades da época “a defesa da religião”. O mesmo se pode dizer da oposição orquestrada a
Francisco. Tal reação, tanto a dos seus adversários, como aquela dos êmulos de
Jesus, revela falta de percepção e apego à instituição temporal. Cristo veio
anunciar a Boa-Nova, de Paz, Justiça e Salvação. Sobre isto o Santo Padre
chamou a atenção. E com
humildade procurou abrir as portas da Igreja para que os cristãos respirassem o
ar puro do perdão e da graça divina. É certo que uma Igreja dirigida por seres
humanos seja passível de cometer pecados e erros, mas deverá reconhecê-los e
corrigi-los para continuar a ser o sacramento de Cristo. Alguns clérigos esquecem ainda hoje as
palavras do Mestre: “Entre vós, não seja
assim, quem quiser ser o maior, seja aquele que vos serve” (Mt 20, 25). Cristo terá dito à chegada de
Francisco no Céu: “Vem bendito de meu
Pai. Recebe em herança o Reino que Ele te preparou” (Mt 25, 34).
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