Ney Lopes
Fatos políticos históricos se entrelaçam, no sentido de promoverem mudanças políticas. Ontem, 23, foram completados oitenta e nove anos (1935), em que a cidade de Natal era dominada por militantes comunistas. Sob o lema "pão, terra e liberdade”, os rebeldes destituíram os governantes dos seus cargos, incluindo o governador Rafael Fernandes e o prefeito de Natal, Gentil Ferreira de Souza.
Anos se passaram. Em 2018, o Brasil estava desencantado com sua jovem democracia e terminou elegendo o capitão Bolsonaro, um novo homem que surgia, campeão da justiça e candidato antissistema, apesar de ter pertencido a uma dezena de partidos, além de familiares eleitos. Na França, o Jordan Bardella, um jovem de 28 anos foi aclamado por seus correligionários, nas eleições de 2024 e levou seu partido à vitória nas eleições ao Parlamento Europeu no primeiro turno das eleições legislativas na França. Ele agora quer ser primeiro ministro.
Bodes expiatórios & indiciamento
França e Brasil procuraram bodes expiatórios e os encontraram. Para Bolsonaro, eleito com o apoio do trio agronegócio-evangélicos-militares, o inimigo era interno, personificado pelos "comunistas", o movimento dos trabalhadores sem-terra e os povos LGBTQ+ e indígenas. Para Bardella, o herdeiro da família Le Pen, obcecado com a "invasão" migratória e a "ameaça islâmica", o perigo viria de fora.
Já na última quarta, feriado da consciência negra, a Polícia Federal indicia por tentativa de golpe de estado o grupo direitista liderado pelo ex-presidente Bolsonaro, ex-auxiliares Braga Netto, Heleno e mais 34 por golpe de Estado, com acusações de crimes com penas de até 28 anos de prisão ao ex-presidente, seus aliados. Consta também do suposto plano golpista, o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e ministro Alexandre de Moraes.
Comunistas no poder
Na manhã seguinte ao levante, liderados pelo sargento Quintino Clementino de Barros, Natal estava completamente dominada. Na residência do governador, sede dos rebelados, formou-se junta provisória de governo, autodenominada Comitê Popular Revolucionário, que era formada pelo sapateiro José Praxedes (secretário de Abastecimento); sargento Quintino Barros (Defesa); Lauro Lago (Interior e Justiça); estudante João Galvão (Viação); e José Macedo (Finanças), este último funcionário dos Correios e Telégrafos
Defesa da legalidade
No relato de Natanael Sarmento, quarenta e dois anos depois, no Congresso Nacional, o senador Dinarte Mariz ainda colhia frutos daquela “batalha épica”: “não sou anticomunista de gabinete; sou anticomunista de fuzil na mão. Da tribuna, ele aduziu que comandou a reação sertaneja, que juntou cento e oitenta homens, armou e combateu por patriotismo, sic. Essa versão é contestada.
Segundo historiadores, medalhas como verdadeiros heróis mereceram o médico Mariano Coelho e o farmacêutico Tristão de Barros, que em Currais Novos cuidaram da epidemia, que assolou a cidade, após o levante.
Últimos acontecimentos
Os fatos mais recentes geram apreensões para a política nacional. Por uma notória intenção de perseguição política, o governo federal regozija-se pelo retorno de um debate infrutífero, acerca da falsa tentativa de golpe em 2023, a qual não resiste a uma análise jurídica séria e independente. A praça dos três poderes foi palco de uma demonstração política, que teve excessos notórios e como tais puníveis. Não poderá jamais virar o cemitério da democracia.
É pacífico no direito brasileiro, que não é suficiente para caracterizar um golpe de estado, o início de um protesto político (aliás, condenável por ter sido vandalismo). Querer dar o golpe de Estado, não basta. Ninguém é punido pelo pensamento, princípio de que uma pessoa não pode ser punida apenas por seus pensamentos ou intenções. Ou, como falam os italianos -pensiero non paga gabella (o pensamento não paga imposto ou direito).
Pelo sensacionalismo que os últimos fatos despertam, parece mais que se trata de uma ação política coordenada do governo para evitar a tramitação da anistia política das ocorrências de janeiro de 2023.
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