terça-feira, 8 de julho de 2025

A civilização e cultura do descarte

 

Padre João Medeiros Filho

Relacionamentos são efêmeros, amizades passageiras, amores com prazo de validade, ética, direito e moral atrelados ao subjetivismo, personalidades mutáveis, bens temporários, empregos e profissões substituíveis, religiosidades oscilantes. Tudo está se tornando descartável. Segundo estudiosos, as causas desse fenômeno provêm do egocentrismo, utilitarismo e da supremacia dos interesses. Nos dias atuais, pessoas ou coisas valem na medida em que estão aptas a servir. A falta de compromisso impera. Os indivíduos entram e saem da vida uns dos outros abruptamente, sem preocupação com as consequências e os laços deixados para trás. O poeta e teólogo Michel Quoist acrescentava aos motivos desse cenário, o esquecimento e a rejeição do Criador. “Do Senhor é a terra e a sua plenitude; o orbe e os que nele habitam” (Sl 24/23, 1). Se tal verdade é esquecida, o homem passará a dominar e ditar regras e leis, a seu bel prazer.

Verifica-se que a descartabilidade no mundo de hoje reflete uma mentalidade que privilegia o interesse individual e a transitoriedade. Isso resulta na erosão da empatia e responsabilidade em diversas esferas, desde o consumo de bens até as relações pessoais, passando pela saúde mental, pelo mercado de trabalho e meio ambiente. No que tange aos esforços para neutralizar os efeitos de tal cultura, faz-se necessário resgatar a dignidade e o respeito. É imprescindível enxergar o outro como um ser humano, com sentimentos e histórias, e não como algo a ser excluído, quando não mais convier. O Papa Francisco abordou a temática, na encíclica “Fratelli tutti”. Ali, condena “a prática generalizada de se desfazer automaticamente daquilo que não interessa mais.”

Infelizmente, o mundo hodierno vem promovendo rapidamente tal prática. E, dentre os descartados, destacam-se os indefesos: idosos, pobres, deficientes, nascituros, os não produtivos de acordo com os critérios da sociedade e outros. Estes representam os alvos atingidos pelo descarte insensível, desrespeitoso e até cruel. Reina o egoísmo em detrimento de muitos. São inúmeros os sinais desse tipo de sociedade, que prima pelo descaso injusto. Essa realidade está dominando o tecido social. Onde ficam a sensibilidade e a aceitação, a fraternidade e o apreço pelo outro? Cabe lembrar um provérbio gaulês: “Cuidado com as pessoas descartadas de sua vida, julgadas inúteis. Amanhã, elas poderão dar a volta por cima.”

É doloroso assistir a descartabilidade em ritmo crescente, de forma deletéria e inexorável. Infelizmente, buscam-se as pessoas apenas enquanto podem ser úteis. Posteriormente são esquecidas e abandonadas. Há quem não se dá conta de que isolar os idosos e abandoná-los à responsabilidade de estranhos, sem um acompanhamento familiar adequado e amoroso, mutila e empobrece a própria família. A cultura do descarte não atenta para isso. Esquece-se o ensinamento veterotestamentário: “Escuta teu pai, que te gerou e não desprezes a tua mãe envelhecida” (Pr 23, 22). Ou ainda, a prece do salmista: “Não me rejeites no tempo da velhice; quando diminuírem minhas forças não me abandones” (Sl 71/70, 9).

 São Francisco de Assis, reconhecido como irmão do sol, da lua, da natureza, procurou unir-se ainda mais a seus semelhantes, pertencentes à humanidade. Semeou a paz, a fraternidade e a valorização do ser humano, como “imagem e semelhança de Deus” (Gn 1, 26). Partilhou dos sentimentos daqueles que habitavam as periferias, dos enfermos e últimos da sociedade. Foi exemplo para o mundo, em que a pessoa para sobreviver tem de se reinventar cotidianamente para não ser alijada e largada à própria sorte. O homem está sendo coisificado, consequentemente esquecido e marginalizado. Esse modo de agir da sociedade parece não ter limites. Há aqueles que presumem ser capazes de determinar, com base em critérios meramente utilitários, quando uma vida tem valor. Segundo concepções filosóficas e religiosas, toda criatura humana tem direito a uma vida digna e plena, mesmo com um desempenho inferior, quando nascido ou criado com limitações. Isso não diminui sua imensa dignidade de filho de Deus (cf. 1Jo 3,1). Sobre o assunto vale refletir sobre a parábola dos talentos (Mt 25, 14-30). Finalmente, convém citar a recomendação bíblica: “Quem rejeita o irmão está pecando. Quem o respeita será feliz” (Pr 14, 23).

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