Centenário de Irmã Lúcia Vieira
Padre João Medeiros Filho
No dia 14 deste mês de março de 2025, celebra-se o
centenário de Irmã Lúcia, hoje habitando o Céu. Os Atos dos Apóstolos e as
Epístolas relatam que Cristo era seguido e servido por santas mulheres, durante
sua permanência neste mundo. Não há como esquecer Maria de Mágdala, Marta e
Maria e outras tantas colaboradoras de Jesus e dos apóstolos. Esse fato não é
apenas exclusivo dos primeiros séculos do cristianismo. Em Caicó, no alto
sertão seridoense potiguar, outra mulher, pequena de estatura, mas gigante pelo
amor e caridade, conhecida por Irmã Lúcia Vieira foi exemplo de discípula do
Mestre da Galileia. Conheci e privei da amizade da referida religiosa, desde os
tempos em que fui residir em Caicó como seminarista, e anos depois, na década
de sessenta, como sacerdote e pároco de São José.
Ao
longo de décadas, tive contato com a referida religiosa, ícone do amor aos
pobres e deserdados, cujo interesse era apenas viver o Evangelho de Cristo.
Catequista, professora, superiora da comunidade das irmãs, ministra da
eucaristia, Irmã Lúcia era o rosto visível de Cristo, no bairro da Paraíba, em
Caicó. Sou testemunha do seu zelo pastoral. Prestava assistência religiosa
total aos pobres do bairro onde residiu, no Abrigo Professor Pedro Gurgel.
Batizava, levava a comunhão aos doentes, preparava noivos e padrinhos para os
sacramentos do matrimônio e do batismo, catequisava os crismandos e as crianças
que deveriam fazer a primeira comunhão. Encomendava os corpos dos irmãos que
partiam para a Casa do Pai. Só não confessava, porque não era sacerdote, mas ouvia
os lamentos e gemidos dos sofridos e pecadores. Chegava aonde os padres de
Caicó não assistiam, cheia de ânimo, compreensão e ternura. Costumava eu dizer
a Dom Manuel Tavares de Araújo que no Abrigo Prof. Pedro Gurgel havia duas
Senhoras das Graças: a Mãe do Céu e Irmã Lúcia, sempre disposta a levar a graça
divina, o carinho de Deus e o mimo celestial ao próximo.
Burocracia
e insensibilidade juntaram-se para retirar as irmãs da direção do Abrigo. Mas,
Irmã Lúcia transcendia os muros daquele asilo de idosos. Seu campo pastoral não
tinha limites para o seu amor e caridade. Transferiram a freirinha de Caicó.
Arrancaram-na como se retira uma mãe do meio de seus filhos. O lamento e o
choro destes não foram ouvidos. Muitos queriam que ela fosse sepultada em
Caicó, onde morou por décadas. Foi negado ao povo o seu desejo. A santa
religiosa tentou justificar para os seus filhos da alma, (“los hijos del alma”,
segundo Miguel de Unamuno) a atitude dos superiores. Na sua profundidade
espiritual, exclamou: “Não me pertenço. Sou de Deus e da Igreja.” Sim, Irmã
Lúcia, nós também somos Igreja e filhos de Deus. Tínhamos o direito de exigir.
Mas, a senhora nos ensinou a virtude da obediência, como expressão da humildade
e mansidão. Irmã Lúcia, sua vida era marcada de candura, compreensão e alegria.
Lamentavelmente, uma parcela da Igreja instituição não soube reconhecer,
tampouco vislumbrar a sua grandeza. O seu galardão foi recebido no Céu.
Irmãzinha, a Senhora deve ter ouvido de Cristo, quando adentrou os umbrais da
Eternidade: “Vem bendita de meu Pai, recebe a herança que o Senhor te preparou,
desde a criação do mundo” (Mt 25, 34).
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