Por que a Bélgica?
Padre João Medeiros Filho
Indagam-me com frequência sobre o motivo pelo qual
fui estudar na Bélgica. Em 1960, o reitor do Seminário de João Pessoa, Cônego
Luís Gonzaga Fernandes, escreveu ao bispo diocesano de Caicó, indicando-me para
cursar Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. O prelado
caicoense, verificando as finanças da diocese (que já mantinha um seminarista
naquela instituição de ensino superior), respondeu ao reitor: “O bispado não
tem condições financeiras de arcar com mais um aluno em Roma. Para ser vigário
das paróquias desta diocese, não precisa ser graduado na Gregoriana. Lá não
estive e hoje sou bispo. Porém, se a família quiser mantê-lo às suas expensas,
nada tenho a opor.” Meu pai, ao ser consultado posteriormente, agradeceu a
honra da indicação. Disse que poderia colaborar, mas seria muito complicado para
um comerciante e produtor rural de Jucurutu – onde sequer havia agência
bancária, carteira de câmbio, telefone etc. – manter sozinho um filho estudando
na Europa. A proposta de papai não foi acolhida.
Na impossibilidade de ir para Roma, fui enviado ao
Seminário de Olinda. Acatei a decisão, sem traumas e mágoas. Almejava tornar-me
sacerdote, “cura de aldeia”. Nasci na paróquia mais simples do bispado, na qual
nem sacerdote residente havia. Era reitor do Seminário de Olinda Monsenhor
Marcelo Pinto Carvalheira. Informado por Cônego Luís sobre a minha situação,
quis conversar comigo. Avisou-me que o governo belga estava oferecendo bolsas
de estudos a estudantes brasileiros. Havia vaga para o curso de Teologia, na
Universidade de Louvain. Perguntou se aceitaria o desafio e me submeteria ao
processo seletivo. Assenti que me candidataria, pois nada tinha a perder e sim
a ganhar. Em Caicó e Mossoró, entre 1952 e 1955, estudei com os padres
lazaristas holandeses. Estes descreviam como eram os Países Baixos, a Bélgica e
as famílias reais. Discorriam com entusiasmo sobre a Casa Real Belga, cujos
monarcas eram católicos. Segui as palavras do salmista: “Entrega ao Senhor o
teu caminho... e Ele agirá” (Sl 37/36, 5).
Dia e hora aprazados, compareci ao Consulado Belga
do Recife para os testes. Quanto à aptidão física: saúde excelente. Fui criado
com leite do curral, tapioca com manteiga da terra, carne de sol, rapadura,
cuscuz, queijos e bolachas de Jucurutu (papai foi pioneiro na fabricação delas).
Solicitaram uma redação sobre as relações entre o Estado brasileiro e o Reino
da Bélgica. Veio-me à mente o que ouvia e aprendia dos mestres neerlandeses.
Mostrei os vínculos entre a família real belga e a casa imperial brasileira.
Narrei que as dinastias de ambas: Saxe-Coburgo-Gota-Orleans (Bélgica) e Orleans
e Bragança (Portugal e Brasil) se entrelaçavam. Balduino, então Rei da Bélgica,
era bisneto da Rainha Maria José de Bragança, filha de Dom Miguel, sobrinha de
Pedro I, Imperador do Brasil. Dona Maria José era mãe de Isabel da Baviera,
esposa de Alberto I e genitora de Leopoldo III, pai de Balduino. Este,
portanto, era sobrinho trineto de Pedro I. A Princesa Leopoldina de Bragança,
filha de Pedro II (e neta de Pedro I com sua primeira esposa Maria Leopoldina,
da Áustria) casou-se com o Príncipe Luís Augusto de Saxe-Corburgo-Gota (da
família dos soberanos belgas), oficial da Marinha Alemã e almirante da Marinha
Brasileira.
Continuei citando os elos entre as duas nações.
Assinalei que Alberto I visitou o Brasil durante os preparativos das
comemorações do centenário de nossa Independência. Nessa ocasião, plantou uma
palmeira real no campus universitário da Praia Vermelha. Recebeu do Presidente
Epitácio Pessoa o título de “Doutor Honoris Causa” da Universidade do Brasil
(recém-criada), hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Concluí, lembrando
que Leopoldo III abdicou do trono, em favor do filho Balduino, vindo residir
por um tempo no Brasil com a segunda esposa, Liliana Baels. Leopoldo era
apaixonado por botânica e desejava pesquisar sobre o bioma amazônico. Aqui
foram bem acolhidos. Com o resultado da seleção, recebi uma bolsa de estudos,
inclusive passagens de ida e volta. Lá, vivi oito anos acadêmicos, em dois
momentos. Hoje, direi como o poeta Virgílio: “Haec olim meminisse iubavit” (Um
dia será agradável recordar estas coisas). Sempre procurarei seguir o salmista:
“Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom” (Sl 118/117, 1).
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