Há um “cacoete” sobre as causas das constantes crises políticas no Brasil, ao responsabilizar o sistema de governo presidencialista.
O presidente da Câmara, Artur Lira, admite abrir discussão sobre a proposta do regime de governo semipresidencialista, como meio de reduzir a instabilidade política.
Apoiam essa tese, o ex-presidente Michel Temer e os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.
O semipresidencialismo, denominação criada pelo cientista político Maurice Duverger, é uma mistura de presidencialismo e parlamentarismo.
Para os que defendem a reforma do presidencialismo, o novo sistema comportaria outros mecanismos, além do impeachment, para resolver crises entre Executivo e o Legislativo, ou para se livrar antes do prazo de um governo altamente impopular
O semipresidencialismo seria capaz de aperfeiçoar a separação de poderes, aplicando o princípio de freios e contrapesos (controle do poder pelo próprio poder).
O equilíbrio viria da competência do presidente da República com poderes amplos para dissolver o Parlamento, escolher o primeiro-ministro e o gabinete, desde que tenha apoio da maioria parlamentar e convocar eleições, em caso de crise.
Por outro lado, o Legislativo teria a responsabilidade de governar, através de um primeiro-ministro, podendo destituí-lo e equilibrar o jogo entre os poderes.
A possibilidade de dissolução do Parlamento obrigaria o Congresso a ser mais responsável.
O “chefe de estado” é o Presidente eleito pelo povo, com mandato fixo. O primeiro ministro é o “chefe do governo” e cuida da administração.
França, Finlândia e Portugal são exemplos atuais.
Observação fundamental é que na implantação de qualquer sistema de governo, quer seja presidencialista, parlamentarista, ou semipresidencialista, a governabilidade dependerá sempre da negociação com os partidos políticos, representados no Congresso.
Em razão dessa evidencia, o debate deveria partir prioritariamente da reformulação da legislação partidária brasileira, que é caótica.
Não se começa a construir uma casa pelo telhado, mas pelos alicerces.
Os partidos são o apoio da governança democrática.
A multiplicação de partidos no Brasil fez com que o atual chamado “presidencialismo de coalizão” se transformasse em nocivo arranjo político-institucional, pelo uso da “barganha” e do “toma lá me dá cá”, como métodos de obtenção da maioria parlamentar, até como meio dos governos fugirem dos riscos de impeachment.
Regra geral, os partidos brasileiros são como os morcegos, que se nutrem do sangue alheio e só enxergam o próprio umbigo.
Um ponto importante na atualização da legislação partidária seria a necessidade da democratização interna das siglas, assegurando direitos aos filiados.
De forma paradoxal, o atual sistema define as legendas como “entes privados”, concedendo-lhes autonomia para definirem a estrutura interna e receberem recursos públicos.
Durante o processo eleitoral são comuns os casos de partidos ferirem direitos líquidos e certos de filiados-candidatos e a reparação não ser possível, tendo em vista a justiça aplicar o princípio da “decisão interna corporis”, com base no princípio constitucional da autonomia partidária (art. 17 § 1°).
Alega-se a autonomia para negar um direito fundamental da cidadania, que assegura a “inviolabilidade do direito à igualdade”, conforme o artigo 5°, inciso XXXV da Constituição (a lei não exclui da apreciação do judiciário lesão ou ameaça de direito). Incrível que aconteça, mas se repete no país.
Por todas essas razões, não se justifica falar em “semipresidencialismo”, sem antes modernizar a lei partidária. Seria “colocar a carroça na frente e dos bois”.
Caso aprovado esse novo modelo de governança, sem a urgente reforma partidária, as pressões continuariam sobre os governos eleitos, partindo dos “oportunistas e fisiológicos de plantão”, em busca de cargos, funções e emendas orçamentárias.
As mudanças, portanto, devem começar pela recuperação da credibilidade dos partidos políticos, a fim de assegurar a governabilidade.
Somente assim, o semipresidencialismo transforma-se em solução capaz de dar maior estabilidade política.
Sem a aprovação dessa cirúrgica reforma partidária, política e eleitoral, será apenas mais um “engodo” e Tomasi di Lampedusa estaria certo, quando disse, que as vezes “tudo muda para continuar como está”.
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